domingo, 14 de março de 2010

CLVI

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ESCREVIDÊNCIAS ACERCA DA AMENOMANIA DE UM VAGANTE VATE RAPSODO COM ENVERGADURA IMORAL



no imo diáfano do meu ser nu
anêmico
anímico
anelante
expurgo mil lobos a cada noite perdida
espargindo meu gozo garatujado semântico
no germe no cerne
de doutas dotadas carnes macias  
a poesia não é diletante
a poesia é dilacerante
doutro lado da margem eu me descambo
e descumpro todas as etiquetas de boas maneiras
farfalhando excentricidades
porém provo por A + B
que o nada não é nada
é algo importante –
uma palavra.



/^^\

CLV

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a cada andada, eu vou sorrindo, exibindo todos os meus mais de 32 dentes para todos os passantes ao meu redor. eu sorrio e digo para cada um deles:
- tranquilidade !
repito:
- tranquilidade !
de novo como um bis, um estribilho, um refrão:
- tranquilidade !
ao bem ver da verdade, há de concordar que todo mundo deseja, mentaliza a paz e o amor. no entanto, para alcançar, para obter a paz e o amor, é preciso antes de tudo, ter toda e total tranquilidade. senão não adianta de nada, não é?
sim.
mas quase ninguém liga para a minha vibe positiva, para os meus bons fluidos em forma de votos apetecidos. apenas um casal de idosos me agradece com fervor:
- muito grato, meu filho! que você tenha toda a sorte do mundo. tudo do bom e do melhor pra ti, meu filho. saúde!
eu reagradeço:
- MUITOBRIGADO.
ainda bambeando, cambaleando. penso em compor um poema. quero escrever. devo parar em algum lugar que tenha papel e caneta.
- ah lááá!!! eureka! bar à vista!
não quero nem beber muito. só vou pedir uma cerva para abrir mais a minha mente. porque eu já tô legal. tô bem sintonizado na energia da hidroponia. eu só quero escrever. papel e caneta, por favor!
sim.

CLIV

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então. hora do recreio. a merenda já tá pronta. a diamba, o charo, o charuto, a palha está meticulosamente enrolada. vamos nos concentrar no processo da adustão. então.
- quer fazer as honras, xará?
ele me oferece o baseado na base de prima. mas eu, educadamente, recuso e digo:
- quê isso, irmão! você que fez toda a laboração. você é quem deve tisnar, ou melhor: queimar primeiro! caralho, eu não perco essa mania de querer falar como no século XVIII!
- belezinha, vou mandar pra mente primeiro.
- fique à vontade! - exclamei.
logo a eito, chega a minha vez. prendo e jogo lá pro cérebro. e já estou relax, refestelado e álacre. afeito a comunicações, diálogos. . .
- huehuehuehue... e essa barba de mendigo aí sua heeeinnn! que visual é esse? qualé? vai arrancar não! o barbeiro vai perder seu emprego. ele tem 5 filhos e uma mulher em casa pra sustentar, dar comida e tal e tudo mais. . . aiuohoaahaohahaaaa... não sei como tu ainda pega umas mulheres por aí assim, não sei mesmo. . . essa barba, essa cabeleira tão brabas, meu xará!
- poizé, já tá me gastando! - faço uma curta pausa e continuo - o que eu posso fazer, se eu sou picão! fodão! eu sou mendigo, eu sou barbudo, cabeludo, sujo, asqueroso, mas elas não resistem! eu sou homem de verdade. eu sou um seguidor contumaz do pensamento do grande filosófo Chaves que todo homem deve seguir a fórmula F³, ou seja, "todo homem deve ser feio, forte e formal."
- huiahauihauihaihaiuhihauiahihaa......................... agora é você que tá gastando muito, viajando na ondinha bonito!!! huiahauihauihaihaiuhihauiahihaa.........................
- é vero. eu vou embora, eu vou embora. chega de gastar, conversar. o ato de conversar só serve aos idiotas! eu não sou idiota! eu vou embora.
- calmaê! espera mais um pouco. marca um dez.
- nem dois, nem dez, nem cem, nem mil. vou sumir agora.
assim, vou cambaleando pelo Valão. até encontrar a entrada da primeira rua que eu vejo pela frente. e o meu amigo junkie ficou fumando até não poder mais, até a última pontinha da palha seca. só ele mesmo.
agora é que começa a minha viagem internada.

sábado, 13 de março de 2010

CLIII

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o tal Valão é um tugúrio repugnante de sujo com um grande córrego imundo que exala um cheiro insuportável de restos de merda que saem das descargas de vasos sanitários de residências próximas do lugar e difundem-se nessa água contaminada e fétida.
portanto, o Valão torna-se um atrativo turístico para os viciados das redondezas queimarem seu fumo de erva danada furtivamente sem que haja qualquer resquício de fragrância. o cheiro forte da fedentina do tugúrio abafa o cheiro da erva e não dá pistas para os polícias os enquadrarem. por isso, a frequência é demasiada.
e eu e meu amigo junkiezinho estamos aqui para fazer a mente também como os outros.
- por acaso, você tem alguma seda aí? - ele pergunta-me.
- não. eu não costumo carregar seda.
- por quê? tu não é de marfuzar não?
- só de vez em quando. . . .
- ham.
- quer que eu vá arranjar uma seda com algum desses maroleiros aqui?
- vai lá! na fé!
- belé! vou lá!
vou em direção ao primeiro maroleiro que eu vejo e alígero, descolo uma seda na velha manha de ratazana.
- taí o que você queria, bicho!
- isso aêêêê! show, man!
- quer ter a honra de preparar a ceia?
- não não não. faço questão que você mesmo prepare.
- ué! cê não sabe fazer o artesanato não? o preparo?
- não.
- porra! que isso!
- cara, eu até sei.... mas irá levar horas. é mais prático você fazer.
- ham. . . . . qualquer dia desses eu te ensino o feitio. não é difícil. num instante você irá pegar o desenrolo todo.
- falou!
- quem sabe, eu posso até descolar uma grana dando aulas disso. é! vou abrir um curso de preparo de baseados para iniciantes. vou ganhar muito dinheiro com esse lance, não acha não?
- humrum. espero que eu entre no teu curso de graça.
- gratuito? 0800?
- sim e por quê não?
- beleza. é porque você é meu chapa. beleza, te darei uma bolsa, um desconto de 70%. tá bom?
- porra, 70%!!!
- ah ainda reclama. tô te dando mó moral!
- sei. . . moral...

CLII

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nessa andança transloucada, um junkie friend meu interrompe as minhas passadas de seguida.
- e aí campeão! o que você tá fazendo?
- sou campeão de porra alguma! por acaso, você tá vendo eu carregar uma medalha aqui no pescoço?
- sai dessa, chefe! o que você tá fazendo?
- também não me chama de chefe. porque se eu fosse chefe, eu 'taria usando um terno agora e cheio de cheque no bolso... mas qual é a boa de agora?
- eu tô com um bagulho doido que eu busquei agora lá da Chácara. quer?
Chácara é uma favela, local onde se consegue drogas a preços super populares. é o mercado branco e verde mais frequentado da área.
- quer fumar? esse aqui é hidropônico.
- é hidropônico mesmo?
- isso.
- demorou! é porque eu quero dar uma relaxada total. estou tenso. preciso aliviar essa porra de tensão, já que eu não posso alijar o meu tesão em alguma buceta de aluguel. meu dinheiro acabou todo em cervejadas.
- ã?! aleijar o tesão?
- alijar o meu tesão!
- aé!!! deu pra falar tão complicado agora? é poeta? escritor? jornalista? doutor?
- não, sou somente canalha.
- tava chapando no butecão?
- tava tava tava tava....
- então vamos viajar logo! essa parada. é o papo! vamos marolar lá no Valão.

CLI

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e trotando e trauteando pelas ruas como um vagabundo errabundo convicto eu procuro a redenção a cada rompante de talante disparatado que eu evoco em pensamentos estapafúrdios que me são consuetudinários eu não quero voltar pra casa não eu não quero voltar pra casa não estou sofrendo da Síndrome de Harry Haller ou Complexo de Hermann Hesse tanto faz dá no mesmo todo serumano deve ter seu ópio guardado no armário para usar quando for necessário e eu tenho vários mas o que eu estou dizendo eu não estou me entendendo você está me vendo eu não quero ofertar mais respostas nem inquirir mais perguntas eu só quero transar trepar descansar dormir apagar eu só me sinto alguém quando estou louco ou deitado em berço esplêndido.